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Em 25 de junho de 1995, a 17ª Conferência da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA), no Rio de Janeiro, foi encerrada com a realização da Marcha pela Cidadania, considerada a primeira Parada LGBTQIA+ do Brasil.

O ato reuniu um público de menos de 3 mil pessoas, já com organização do Grupo Arco-Íris e a presença de figuras históricas da comunidade, como a travesti Jane di Castro e a drag queen Isabelita dos Patins. Outro símbolo da Parada LGBTQIA+ do Rio, a bandeira arco-íris de 124 metros já estava presente na manifestação.

Essa história foi registrada em imagens pela fotógrafa Claudia Ferreira, que participa da Exposição Cidade 60+, no Museu da República até 16 de julho. Testemunha da mobilização popular desde os anos 1980, Claudia reúne seu acervo na página Memória dos Movimentos Sociais, na qual o movimento LGBTQIA+ tem um espaço específico, inaugurado pela marcha de 1995.

“A grande novidade no Rio de Janeiro foi aquela parada. Eu fiquei muito feliz, porque via um posicionamento que estava começando a ser mais público, mais político da questão LGBT. Estavam tirando a questão LGBT do armário”, conta a fotógrafa, que é lésbica, em entrevista à Agência Brasil no Mês do Orgulho LGBTQIA+.

Claudia Ferreira voltou a Copacabana em vários anos seguintes, como 1998, 2004, 2007 e 2011, e registrou uma manifestação que se agigantou, mudou de perfil e ajudou a abrir espaço para uma sociedade mais receptiva.

Aos 67 anos, ela afirma que vê em seu círculo social idosos LGBTQIA+ com uma vida muito mais livre do que a que levavam na juventude e pede aos jovens LGBTQIA+ que vejam o envelhecimento como a possibilidade de experimentar um tempo de mais tolerância.    

Rio de Janeiro (RJ), 13/06/2023 – A fotógrafa Claudia Ferreira na exposição LGBT+60: Corpos que Resistem, no Museu da República, na zona sul da capital fluminense. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
A fotógrafa Claudia Ferreira na exposição LGBT+60: Corpos que Resistem, no Museu da República, na zona sul da capital fluminense. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Agência Brasil: Como você chegou àquela primeira marcha em 1995? O que te atraiu para ela?
Claudia Ferreira: Eu venho fotografando os movimentos feministas desde o final da década de 1980, atenta a tudo que estava acontecendo na cidade, e assim fiquei sabendo que haveria o congresso da Ilga, aqui no Rio, e aquela marcha pela cidadania. Na época, não tinha esse nome LGBT. Foi muito interessante, porque havia pouca gente, mas eu vi, do lado de fora, assistindo, gays e lésbicas que eu conhecia e que não se sentiram encorajados a participar. E isso foi mudando ao longo dos anos. É perceptível nas minhas fotos. A Marcha da Cidadania se tornou a Parada Gay, depois a Parada GLBT, e, a partir de 2008, LGBT. E elas foram crescendo e se tornando menos politizadas.

ABr: Por que você acha que esses conhecidos não se sentiam encorajados a participar? Havia um clima de apreensão? Uma expectativa de repressão?
Claudia Ferreira: Acho que não era uma questão de segurança, não. Era uma questão mesmo de assumir e sair do armário naquele momento. Ainda existe preconceito, mas as pessoas em 1995 eram muito mais vítimas de preconceito. Um homem ou uma mulher tinham medo até de ser vistos pelo seu patrão, ou pelos seus familiares. Não queriam ser relacionados com aquilo ali que estava acontecendo, e acho que isso mudou muito principalmente por causa da luta.

ABr: Pessoas já te pediram para não ser fotografadas?
Claudia Ferreira: Ao longo de todas as paradas, algumas pessoas já.

ABr: E isso foi mudando ao longo do tempo?
Claudia Ferreira: Completamente. Acho que as pessoas hoje fazem questão de aparecer nas fotos. Nesses últimos tempos, não me lembro de pessoas pedindo para não ser fotografadas. Mas isso aconteceu algumas vezes.

ABr: Como pessoa LGBT, o que significou fotografar aquela primeira parada?
Claudia Ferreira: A grande novidade no Rio de Janeiro foi aquela parada. Eu fiquei muito feliz, porque via um posicionamento que estava começando a ser mais público, mais político da questão LGBT. Estavam tirando a questão LGBT do armário.

ABr: Você disse que vê paradas menos politizadas nos últimos anos. Em que sentido?
Claudia Ferreira: Não estou falando das pessoas, estou falando do conceito da parada. São mais fortes nas paradas do Rio os trios elétricos, cada um com o som mais alto que o outro, do que os discursos. Acho que até nos temas e na divulgação, virou muito mais um “venha fazer turismo no Rio e participar da Parada LGBT”, do que um momento para as pessoas discutirem.

ABr: Você já fotografava movimentos feministas. O movimento lésbico já estava presente naquelas manifestações?
Claudia Ferreira: As lésbicas feministas não eram poucas, mas elas não se posicionavam como mulheres lésbicas. Havia um preconceito grande no movimento feminista em relação às lésbicas, não era uma coisa bem resolvida. Tanto em relação às lésbicas quanto em relação às mulheres negras. Tudo evolui. E, anos mais tarde, houve uma grande tensão em relação às mulheres trans, e até hoje tem uma parcela do movimento que é contra. Mas estamos evoluindo e essas tensões estão mais minimizadas.

Rio de Janeiro, 16/06/2023 - Foto de arquivo (25/06/1995) - Marcha pela Cidadania, Av. Atlântica, Copacabana. Foto: Claudia Ferreira/ Memória e Movimentos Sociais/Arquivo
Foto de arquivo (25/06/1995) – Marcha pela Cidadania, Av. Atlântica, Copacabana. Foto: Claudia Ferreira/ Memória e Movimentos Sociais/Arquivo

ABr: Você fotografou um movimento que foi crescendo em uma sociedade que foi se abrindo. Mas, em determinado momento, houve também um retrocesso político. Isso foi visível nas ruas e nas paradas?
Claudia Ferreira: Exatamente nesses últimos quatro anos não fotografei as paradas, mas vejo que o comportamento da população LGBTQIA+ nas ruas mudou, sim. As pessoas ficaram mais tolhidas, com mais medo de agressões. Principalmente as mulheres trans, por conta desse retrocesso fundamentalista religioso.

ABr: E, enquanto LGBT com mais de 60 anos, o que você destacaria como obstáculo e o que vivencia de positivo?
Claudia Ferreira: Existe uma ideia, principalmente nas pessoas mais jovens, de que para a população LGBT envelhecer significa solidão. O que eu posso dizer da minha vivência e das pessoas com quem eu convivo, é que é muito mais fácil ser um gay ou uma lésbica hoje, com 60 anos, do que foi para essas mesmas pessoas há 30 anos. Conheço gente que saiu do armário depois dos 50 porque se sentiu mais à vontade, porque a sociedade ficou mais receptiva. O que eu vejo é essa população com mais de 60 conseguindo aproveitar mais a vida.

ABr: Uma velhice mais livre do que a juventude?
Claudia Ferreira: Com certeza. Essas pessoas foram muito mais reprimidas na juventude do que são agora. E, em relação à solidão, certamente um gay que tinha um irmão homofóbico, hoje pode ter um sobrinho que gosta dele e acha que ele é o tio mais legal. As famílias foram evoluindo na aceitação. Eu acho que, de alguma maneira, a população LGBTQIA+ com mais de 60 anos está vivendo com mais liberdade.

ABr: Talvez, então, os jovens que olham para o futuro e pensam em solidão podem pensar em encontrar uma sociedade ainda mais aberta?
Claudia Ferreira: Acho que sim. Eu que trabalho com memória e documentação dos movimentos sociais e da vida na cidade, hoje posso dizer isso. Estou falando de anos que já vivi e olhando pelo retrovisor. Os jovens que têm esse medo, não precisam ter esse medo, porque daqui a 30 anos, talvez, terão um mundo ainda mais livre. Mas é claro que a gente fica cada vez mais assustado com os retrocessos de comportamento provocado pelos fundamentalismos, principalmente religiosos.

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